Arte Rupestre
As quase 100 rochas gravadas já descobertas na freguesia do Piódão constituem a mais importante concentração de arte rupestre conhecida até ao momento no território que se estende entre o Tejo e o Baixo Côa.
Tal facto foi determinante para a instalação de um Centro Interpretativo de Arte Rupestre no centro simbólico deste território – Chãs d’Égua. Este Centro também funciona como sítio de acolhimento para visitas guiadas a diversos núcleos rupestres.
Existe a convicção de que as gravuras do Piódão são apenas uma das pontas de um novelo muito mais complexo, inscrevendo-se a sua iconografia no contexto mais vasto da arte rupestre da Serra do Açor. A possibilidade de uma ligação em rede entre diversos centros interpretativos na Serra do Açor ensaia também os seus primeiros passos através da criação de um circuito entre o Centro Interpretativo de Chãs d’Égua e o Núcleo de Arte Rupestre da Casa Grande, na Barroca do Zêzere. Pretende-se que esta iniciativa constitua o embrião de futuras parcerias no âmbito da arte rupestre, permitindo a constituição de uma rota da arte rupestre na Serra do Açor.
O território
A freguesia do Piódão é a mais extensa do Concelho de Arganil, mas também a menos densamente povoada e a mais distante da sede do município. Encravada numa zona de transição entre a Beira Litoral, a Beira Alta e a Beira Baixa, dispõe-se em torno da linha de cumeada que separa na Serra do Açor as bacias hidrográficas do rio Alva e do rio Ceira.
A região tem um clima de montanha, com grandes amplitudes térmicas anuais e significativa variabilidade na distribuição da precipitação. O solo é xistoso e muito inclinado, o que favorece o trabalho de erosão e dá origem a um terreno pedregoso e pobre, ingrato para a lavoura. O coberto vegetal original encontra-se também em transformação acelerada, devido a séculos de desflorestação e incêndios.
As gravuras
Os motivos gravados encontram-se quase sempre em superfícies de afloramento bem visíveis, oblíquas ou sub-horizontais em relação ao solo. Há uma evidente relação direta entre estas rochas e locais visualmente privilegiados (montes, vales, cursos de água, rotas de comunicação), de forma a marcar simbolicamente um determinado território.
A maioria das gravuras está concentrada em duas áreas distintas: vale de Chãs d’Égua e zonas de cumeada/meia encosta viradas para o rio Ceira. Tudo indica que a estas diferentes localizações correspondem também diferentes cronologias – o período entre o fim do Neolítico e o Bronze Final no primeiro caso; o período entre o Bronze Final e a 1ª Idade do Ferro no segundo.
A arte rupestre encontrada neste território é essencialmente de tipo esquemático. A Arte Esquemática consiste na representação sintética de uma ideia ou de um conceito através da sua repetição em associações temáticas com elevado grau de codificação simbólica.
Há um processo de simplificação e concentração extrema da forma real: uma linha serpenteante em vez de uma serpente, um podomorfo grosseiro em vez de um pé. Em muitas situações a esquematização desemboca na representação de figuras geométricas e lineares – composições circulares, espirais, formas meândricas.
O Vale de Chás d’Égua
No Vale de Chãs d’Égua as rochas gravadas dialogam entre si, incluindo-se num conjunto arqueológico mais vasto, de dimensão religiosa complexa – um espaço sagrado com características de santuário rupestre, cujo centro simbólico seria a Lajeira dos Freixieiros.
É, por isso, possível que o vale tenha sido considerado um enorme campo de significações simbólicas para uma população relativamente estável, que partilhou desde o Neolítico Final as condições desse ecossistema delimitado. A ser assim, tudo aponta para a existência no vale, desde essa data, de um povoado de altura habitado por populações que associavam a criação de gado à agricultura.
É provável também que esta aldeia tenha sido, durante o Bronze Final, o pólo de um poder político e simbólico assente na exploração mineira e no controlo de uma rota terrestre de procura e distribuição de estanho.
Muitas das gravuras descobertas em Chãs d’Égua enfatizam a ligação entre o poder magico-religioso e o culto das águas correntes. É o caso das figurações de cabaças, visíveis em diversas rochas: estes idoliformes – hipotéticas representações estilizadas do corpo feminino – seriam a interpretação local do culto neolítico à mulher enquanto símbolo da fertilidade e da abundância. O tema mais recorrente no vale de Chãs d’Égua é, contudo, o da espiral com meandriforme. As espirais evocam a evolução de uma força, de um estado, saído do ponto original e prolongado até ao infinito. Os Meandros, além de uma forma estilizada de simbolizar a água, são espaços que se aproximam da ideia de labirinto.
O culto neolítico da Deusa mãe misturou-se depois, nas sociedades metalurgistas da Idade do Bronze com novas práticas religiosas assentes em simbologias de tipo masculino. Os antropomorfos e idoliformes fálicos gravados em diversas rochas – quer do vale, quer da montanha – confirmam esta coexistência entre velhos cultos agrários femininos e cultos de cariz masculino. Terá sido, com efeito, nessa altura que uma nova realidade económica e social ligada à exploração do estanho veio complexificar a noção da sacralidade telúrica da natureza, acrescentando o Macho Fecundador à velha associação uterina Terra/Mulher. Passou-se da noção de criação para a noção de procriação ritual.
Certos picos da região destacam-se também do conjunto do território, podendo ser visualizados de qualquer sítio e tendo, por sua vez, um controlo visual sobre o rio Ceira e uma vasta região circundante; é provável, por isso, que tenham sido durante a pré-história considerados montes sagrados.
A arte rupestre aí encontrada pertence maioritariamente, pela sua recorrência temática, ao período do Bronze Final e da 1ª Idade do Ferro. As rochas gravadas estavam, nessa altura, ligadas a comportamentos ritualizados que associavam os códigos figurativos ao domínio de um território específico – os podomorfos, por exemplo, traduzem uma ideia de ligação entre o Céu e a Terra, mas estão também conotados com o conceito de presença de determinados personagens ou divindades. Quanto aos serpentiformes, eles parecem assumir um carácter topográfico, o que os associa de um modo óbvio ao percurso, real e simbólico, do rio Ceira.